“Meu nome é Valeria Rezende, tenho 23 anos e sou designer. Descobri que tenho a Urticária crônica há 3 anos, mas já são mais de 3 mil dias com seus sinais.
Por anos acreditei possuir uma alergia de fundo alimentício, em que precisava de diagnóstico e séries de dietas para poder ficar bem: a tão famosa lista dos “não pode”. Isso, sem dúvida, fez da minha infância um período muito marcado.
Mesmo com a disposição em fazer abstinência de uma série de alimentos, que desembocavam numa rotina totalmente diferente das pessoas, eu continuava mal. Tão mal quanto antes. Foram intensos os dias que a urticária me visitou. E por vezes ela também sumia, quase como quem engana, contentando meu coração a crer que seria definitivo e revelando a verdade quando aparecia com ainda mais força.
Perdi eventos, casamentos, encontros do colégio e excursões do ginásio. Desmarcava e remarcava coisas numa frequência que poderiam deduzir que era descomprometimento.
Minha família, mesmo sendo pobre, logo teve que se acostumar com a ideia de adquirir um convênio médico, mesmo que fosse um mais popular, para meu uso. Quem incha os olhos e garganta de uma hora para outra dificilmente pode aguardar por um agendamento do SUS. Chegada a vida adulta, as coisas ficaram mais sérias. Isso é, não era tão simples ficar um dia todo em casa aguardando meu rosto ficar reconhecível de novo. As coisas correm rápido, e o mercado de trabalho espera isso de você também. Será que o mundo inteiro poderá esperar alguém que vai ter que adiar tudo para poder deixar a vermelhidão da pele ir embora? Comecei a perceber que não.
Foi aí que se tornou constante a medicação com corticoides. Eles eram a saída capaz de me fazer uma pessoa comum: com tudo em dia e olhos abertos. Comecei a ingeri-los numa frequência desnecessárias para os médicos, mas necessária para meu corpo e sonhos. A cada dia, as doses mais amenas não eram o suficiente e os remédios similares já não supriam a fortaleza da doença sob a minha pele. Quando, finalmente, decidia que não queria aquela dependência para mim, a crise retornava. Às vezes era tão violenta, a ponto de tomar as palmas das mãos sem que eu pudesse fechá-las. Ou às vezes, fazendo dos pés dois tijolos vermelhos, ao ponto de não poder calçar. Nesses episódios, a saída era um Pronto Socorro, em que todos já me conheciam, e já falavam: “de novo, mocinha?”.
Aliás, “de novo?” Tem sido a expressão que mais tenho ouvido nesses anos todos. Uma fala meio chateada, misturada com pouca fé de que um dia eu pudesse ser saudável.
Foi então, que quis romper. Olhei para minha pele, para os exames que nada diagnosticavam e para minha própria vida: que tinham sinais explícitos de má qualidade.
Aproveitei a vida adulta para também exercer minha independência: fui atrás de ajuda, e mais que isso, de conhecimento. Li artigos de medicina, de psicologia voltados a doenças crônicas. Contatei especialistas. Mandei “a real”. E descobri, finalmente, que sofria de urticaria crônica espontânea, ou traduzindo: manchas avermelhadas (e que coçam muito) no corpo que se manifestam constantemente e sem razão. Ufa!
Acho que descobrir isso me tornou mais triste, porque percebi que não havia lista alguma de “não pode”. Estava fora do meu controle. Era espontânea e livre. Essa doença se sentia à vontade demais. E parecia, olhando rápido, que não poderia fazer nada por mim mesma. De uma forma ou de outra, iniciou-se um processo de aceitação. Falar sobre o que tinha, mostrar quem eu era, e desculpem-me qualquer coisa, mas realmente “hoje não estou apresentável.” Uau, essa também é umas das expressões mais utilizadas, mas essa, eu quem falo, e muito. Até hoje!

E por falar no hoje, eu estou bem diferente. Eu me respeito. Eu me aceito. E entendo agora que nada pode me fazer diferente das outras pessoas e que eu posso sim alcançar as mesmas oportunidades que elas. A diferença é que não posso dar muitas garantias sobre minha aparência amanhã.

Ah, também descobri que para a urticaria crônica espontânea existe sim uma lista de “não pode”, e sem dúvida, ela também se torna um “checklist” diário para mim.

  • Não se pode deixar a tristeza de um dia vermelho tomar a esperança da claridade de outro dia (=acreditar sempre)
  • Não se pode isolar-se na defesa de que ninguém vai compreender seu mal
    (=companhia)
  • Não se pode correr depressa demais, ignorando a forma como seu organismo se manifesta sobre seu corpo (=respeitar-se)
  • E claro, não vale a coçar a pele com objetos pontudos e ficar exposto ao sol por muitas horas! Rsrs

Esse foi o raciocínio que consegui adquirir em torno dessa experiência. E o grande objetivo hoje é que os afetados, como eu, por esse mesmo mal possam romper do estágio de estarem habituados a viver com isso, para a fase em que se propõe a trocarem insights e se sentirem confortáveis em assimilar que é esta nossa realidade, mas que, sem dúvida, num futuro muito próximo, poderemos superá-la”.